Propõe-se neste breve artigo discutir os papéis das redes Óptica e IP nas redes de transporte, com foco na evolução e convergência das camadas de rede, considerando os avanços tecnológicos que se descortinam já há algum tempo.

Uma rede de comunicação fixa, seja de alcance metro, regional ou de longa distância, constitui-se essencialmente da implementação das camadas 1 e 3 do modelo de referência OSI (Fig.1), conhecidas como camada física e camada de rede respectivamente.

Fig. 1 – Modelo de referência OSI

A camada de rede é popularmente conhecida como camada IP, responsável pelo encaminhamento do tráfego de maneira dinâmica, através de elementos denominados roteadores. Para tal se utiliza de protocolos que permitem o roteamento dos pacotes entre os nós da rede, com possibilidade de priorização, reserva de banda ou não, ou mesmo oferecer mecanismos de resiliência. As redes ópticas possuem a missão de implementar a camada física, utilizando a fibra óptica como meio de transmissão, dada a enorme banda passante que disponibiliza (10Thz++, de spectrum disponível). As fibras são empregadas desde enlaces de poucos Kms (Última milha no acesso) até milhares de Kms (links trans-oceânicos), no entanto sua utilização requer a implementação de técnicas de acesso ao meio (DWDM) e de garantia da adequada propagação dos canais ópticos ao longo do percurso, dadas as limitações lineares e não lineares existentes.

Fig. 2 – Estrutura em camadas de uma rede de transporte (Óptica e IP)

É usual a estratificação das funções de uma rede de transporte em camadas (IP e Óptica) pois permite-se que as soluções que endereçam os requisitos de cada camada sejam mais especializadas. Confiar a uma única caixa todos os requisitos de um nó de rede (“God box”) exigiria que essa solução atendesse aos vários diferentes requisitos dos dois domínios, assim como amarraria os diferentes ciclos de evolução das tecnologias eletrônica (IP) e fotônica. Na prática, tradicionalmente, se define pontos de demarcação entre os equipamentos IP e ópticos, que focam em suas funções específicas de maneira ótima.

Simplificação e convergências das camadas de rede ….

Ao longo dos anos vêm-se buscando a simplificação da arquitetura de redes com intuito de redução da quantidade de equipamentos, assim como facilitar sua gerência e automação. Classicamente quanto mais se sobe nas camadas de rede, mais custoso e dispendioso fica a solução quanto a espaço e consumo de potência (Custo por bit é maior na camada elétrica do que na camada óptica). No entanto, as camadas superiores possuem uma melhor visibilidade do tráfego, permitindo um tratamento mais adequado de acordo com a sua natureza.

As operadoras se organizam também de maneira estratificada com a separação de especialistas desses dois mundos, sejam nas áreas de planejamento/projetos ou na de operação de redes.

Ou seja, até então a estratégia dominante das operadoras é de investir nas duas camadas de rede de maneira independente, dadas as considerações acima e tentativas frustradas de adoção de IPoDWDM, no início da década passada, devido a dificuldade de integração dos componentes fotônicos e eletrônicos sem comprometer a eficiência e escalabilidade da caixa IP (Roteador).

Integração fotônica num chip …

O ponto que se coloca é se a recente evolução da tecnologia fotônica, com o surgimento e massificação do “Silicon Photonics”, em especial, assim como o avanço das soluções abertas de comunicação (SDN), seja em nível de equipamentos ou de gerência, marcam um ponto de inflexão na estratégia de construção de redes de transporte, viabilizando a tão almejada integração dos domínios ópticos e IP, em nível de elemento de rede e oferecendo grande oportunidade de otimização de CAPEX e OPEX.

Entenda-se como principal evolução do domínio fotônico, os “Coherent Optics “ (Plugáveis coerentes de alta velocidade) que incorporam as diferentes e complexas funções dos transceivers ópticos coerentes numa pequena cabeça óptica, o que permite eliminar a presença de transponders na solução óptica. Mesmo que o equipamento óptico continue sendo necessário, uma vez que os demais blocos funcionais continuariam existindo (Multiplexação/Demultiplexação DWDM, Amplificação óptica e eventualmente roteamento fotônico), a incorporação da função de transponder pelo elemento IP, sem prejuízos as suas funções e escalabilidade, permite reconsiderar a arquitetura IPoDWDM. Os transponders podem representar 70%+ dos custos dos equipamentos ópticos em poucos anos de vida da rede de transporte.

Fig. 3 – Acacia 3D “siliconization”. Todos os blocos funcionais encapsulados num chip
Fig. 4 – Infinera ICE-X Coherent pluggable. Outro exemplo de bem sucedida miniaturização 1

Padronização dos trunks ópticos e ganhos de escala …

Importante destacar que os “Coherent Optics” se viabilizaram graças a um esforço conjunto da indústria, coordenados pela OIF (Optical Interconnectivy Forum) há alguns anos, o que resultou no standard 400G ZR para sistemas coerentes de transmissão. Essa padronização foi fundamental para que os diferentes fabricantes desenvolvessem seus plugáveis coerentes utilizando as mesmas características técnicas (Esquemas de modulação, FEC, etc … ), o que permitiu criar um “ecossistema” de interoperabilidade, aumentar significativamente o volume de produção e consequentemente baixar os custos dos módulos. A indústria já trabalha com outros padrões, inclusive, como o Open ZR+ que aumenta o alcance e o range de velocidades do plugável coerente.

Fabricantes líderes em transceivers ópticos coerentes seguem oferecendo soluções proprietárias que extrapolam os “standards”, algumas otimizadas para performance (Aplicações de Longa e Ultra-longa distância), outras para maior flexibilidade de modulação,
o que permite aplicação “multihaul”, operação desde o segmento metro, curta distância em altíssima velocidade (1.2Tb/s), até longa distância, com velocidades de 200G a 400Gb/s. Esses fabricantes conseguem, assim, posicionarem-se com mais relevância para defender ou ampliar mercados.

Fig. 5 – Coherent pluggable de diferentes fornecedores 1

No entando, com o recente surgimento da padronização e a significativa miniaturização dos plugáveis ópticos coerentes, abre-se uma possibilidade real de simplificação da arquitetura de redes, com a possibilidade de sua equipação em caixas IP “genéricas” sem comprometer suas funções nativas.

Gerenciamento aberto e multi-domínio …

A indústria e os organismos de padronização (IETF, OIF, OPEN CONFIG, Open ROADM, TIP) têm avançado também nas discussões sobre os mecanismos de gerenciamento, de maneira que a interoperabilidade seja posta em prática também em nível operacional, haja visto que em nível físico (“Dataplane”), o conceito já está provado.

Os plugáveis ópticos de linha (Coerentes) precisam oferecer experiência de gerenciamento similar a dos transponders tradicionais. Até então, os plugáveis ópticos utilizados em portas de cliente (“Gray Optics”) tinham poucas necessidades de gerência. Um plugável coerente adiciona parâmetros de linha como velocidade/modulação, taxa de símbolos (baud rate), nível de potência, FEC, OSNR, … a serem provisionados e gerenciados.

Outro aspecto é a possibilidade de equipar- se uma cabeça óptica coerente num roteador de terceiro. Não se deseja, por exemplo, que a atualização de SW da caixa IP ofereça risco ao gerenciamento dos plugáveis.

A utilização de Controllers independentes (IP e Optical), associados a um controlador  hierárquico de nível superior, que fica responsável pela integração dos dois domínios através de interfaces abertas de programação, é um dos padrões em discussão.

Fig. 6 – Alternativas de gerenciamento e relação entre controllers 2

Essa arquitetura propõe a independência das gerências de cada domínio, conforme representado no fluxo 3 da figura acima. Controllers de diferentes fabricantes podem co-existir, admitindo-se que um Controller de hierarquia superior cuide do gerenciamento fim a fim e da adequada correlação de alarmes entre camadas, algo muito importante para uma eficiente atuação proativa ou reativa da operação de rede. Há ainda outras alternativas possíveis, conforme representado nos fluxos 1 e 2 da figura 6, assim como proposição de um controlador único Multi-layer que diminuiria a quantidade de Controllers, mas exigiria um esforço maior de padronização dos dois domínios.

Dada a oportunidade que se descortina com a real possibilidade de integração/simplificação da arquitetura de redes de transporte, alternativas viáveis de gerenciamento dos plugáveis ópticos coerentes estão postas e em processo de padronização. Ficará a cargo da operadora, muito em breve, escolher a estratégia mais conveniente.

Oportunidades de otimização da arquitetura e ganhos de CAPEX e OPEX …

Dadas as condições mencionadas acima, o momento parece propício para que os grandes provedores de serviços de comunicação busquem simplificação da arquitetura de redes de transporte através da introdução dos plugáveis ópticos coerentes, assim como a adoção de novas estratégias de gerenciamento e automação de rede.

Abaixo, faz-se algumas considerações adicionais que também merecem atenção:

  • Planejamento/desenho integrado (IP e Óptico) das capacidades de tráfego, levando em consideração a natureza atual/real do escoamento de tráfego. A tendência é que o Core da rede seja cada vez mais esvaziado, com os grandes conteúdos vindo para as pontas. O tráfego fica mais contido na rede metro.
  • Definição de mecanismos de resiliência (proteção e restauração de tráfego) combinados ou não nas duas camadas, buscando sinergias e otimização das capacidades implantadas. Nós ROADM’s (Reconfigurable Optical Add Drop Multiplex) são necessários, no entanto de acordo com a matriz de tráfego o by-pass de roteadores pode ser relevante ou não.
  • Introdução dos Plugáveis coerentes, em substituição aos transponders ópticos, onde fizer sentido. Cabe avaliar em que porção da rede. Eventualmente enlaces muitos longos podem continuar demandando por soluções coerentes customizadas.
  • Automação é fundamental numa rede moderna e preparada para o futuro. Que tipo de Controllers devem ser considerados? Caso se admita inteligência de Control Plane (CP) em ambas as camadas, é razoável que hajam Controllers Optical e IP que conversem com um sistema de orquestração superior, através de protocolos abertos. Pode-se optar por uma camada óptica sem CP, deixando o controle somente para a camada IP, o que simplificaria a automação, mas há de se considerar o impacto do crescimento físico da rede IP. Prós e contras precisam ser considerados.
  • Mudança de estratégia não pode significar “Lock in” a certos fornecedores. Atenção ao atendimento a normas, provas de conceito e garantia de existir um “ecossistema” que garanta varias opções de fornecimento.
  • Ganhos de TCO (CAPEX + OPEX). Economia de energia e espaço, assim como oportunidades de melhoria das rotinas de operação podem representar significativa redução de OPEX, que somados aos ganhos de CAPEX podem baixar significativamente o custo total do negócio.

Pretendeu-se aqui contextualizar o papel das camadas Óptica e IP numa rede de transporte e estimular discussão sobre as melhores estratégias de evolução, a serem consideradas tanto pelos fornecedores de equipamentos, como pelos provedores de rede. Vários aspectos aqui abordados merecem melhor desdobramento, tanto do lado IP, como do lado Óptico, o que se pretende fazer a posteriori. Fica o convite para reflexão e considerações que contribuam nessa discussão, assim como nossa disponibilidade para trabalhos de consultoria que enderecem cenários reais de redes de transporte.

1 Outros grandes fornecedores de componentes e sistemas fotônicos oferecem soluções similares. A Ciena é um outro bom exemplo.

2 Capturada da apresentação Cisco “Managing Digital Coherent Optics in Routers”, NANOG Feb, 2023


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